
Piscicultura do pirarucu: entenda sobre manejo e criação da espécie
O pirarucu é uma importante fonte de alimentação para os povos indígenas da floresta amazônica. Contudo, de grande porte e com uma carne saborosa, esse peixe se tornou, também, destaque em pratos de luxo em grandes cidades da sul-americanas. Além disso, serve como matéria-prima para diversos objetos.
Por esses motivos, o pirarucu é alvo pesca ilegal nas fronteiras entre Brasil, Peru e Colômbia. Uma alternativa para proteger a espécie é a criação em tanque ou em cativeiro. E é esse tema que exploraremos neste artigo sobre boas práticas de manejo na piscicultura do pirarucu. Confira a seguir.
Quais as principais características do pirarucu?
O pirarucu é uma espécie de peixe ictiófaga, ou seja, ele se alimenta exclusivamente de peixes. O Arapaima gigas (nome científico) é um dos maiores peixes de água doce do planeta. Suas principais características são:
- corpo — forma alongada, revestido por grandes e espessas escamas;
- nadadeiras — as peitorais ficam afastadas das ventrais, enquanto a dorsal e a anal são próximas da cauda, que apresenta um formato arredondado;
- cabeça — achatada e pequena em relação ao tamanho do corpo, correspondendo a cerca de 10% do peso total;
- boca — oblíqua e grande;
- língua óssea — com duas placas ósseas laterais e uma palatina, que funcionam como dentes, usados para comprimir as presas, matando-as antes da deglutição;
- órgãos sexuais — os adultos apresentam as características sexuais secundárias apenas poucos dias antes e após a desova;
- coloração — os machos têm coloração vermelha, e as fêmeas, castanho-claro;
- tamanho — pode chegar a 3 metros de comprimento e pesar até 200 quilos.
A cabeça achatada e os olhos globulares do pirarucu dão a ele uma aparência de fóssil pré-histórico.
Como criar o pirarucu e fazer o manejo adequado?
O manejo e a criação do pirarucu envolvem etapas como alevinagem, engorda, processamento e comercialização final. A seguir, conheça cada uma delas.
Alevinagem
Essa etapa é marcada pelo treinamento alimentar dos alevinos com ração comercial. Em geral, ela é realizada em laboratório, onde há alto potencial de mortalidades. A suscetibilidade a doenças também é maior.
Além desse treinamento, o manejo frequente, a qualidade da água e a densidade podem provocar o desenvolvimento de parasitos, como tricodinídeos, nematoides e monogeneas.
A propósito, a captura dos alevinos feita diretamente nos viveiros contribui para que eles já cheguem ao laboratório com uma carga de patógenos. Isso se deve ao contato prévio com os pais e com o ambiente.
Todos esses fatores interferem no sucesso dessa fase. Dessa forma, essa etapa pode apresentar variações entre produtores. Essas mudanças impactam o preço dos alevinos, assim como a produtividade da etapa de engorda.
Nesse sentido, para melhorar os índices produtivos e reduzir o índice de mortalidade, é importante adotar as seguintes práticas:
- treinamento alimentar cuidadoso e intensivo;
- mão de obra qualificada;
- substituição gradual do zooplâncton por ração;
- alta frequência de alimentação;
- classificações constantes dos alevinos, a fim de reconduzir os não treinados à etapa inicial de treinamento;
- manejo sanitário nos lotes de alevinos;
- diagnóstico de doenças;
- desinfecção de utensílios e estruturas de cultivo;
- manutenção da qualidade da água.
Reprodução
Já que você quer aprender como criar peixe pirarucu em cativeiro, também deve saber que ele demora cerca de quatro a cinco anos para chegar à idade adulta e reprodutiva. O peso fica entre 40 e 45 quilos.
Um aspecto muito importante do manejo é a identificação do sexo dos animais. Isso porque a reprodução do pirarucu ocorre de maneira natural, com a formação de casais em um ambiente de cultivo.
Engorda
A engorda do peixe pirarucu é realizada em viveiros escavados com fundo de terra e barragens. Outras formas incluem a produção em tanques-rede e de lona vinílica.
Essa etapa costuma ser dividida nas seguintes fases:
- fase I — dura 90 dias, quando os peixes entre 10-15 centímetros (10-20 gramas) alcançam peso de 600 gramas a 1 quilo;
- fase II — quando os peixes atingem cerca de 10 quilos depois de 270 a 300 dias.
Por não existirem rações que atendam às exigências nutricionais da espécie, ocorre uma alta conversão alimentar que impacta o custo final de produção.
Nesse sentido, é essencial que sejam desenvolvidas rações adequadas às exigências nutricionais para otimizar a produção do pirarucu em cativeiro. Isso depende, essencialmente, de pesquisas com esse objetivo.
Processamento e comercialização
Grande parte das indústrias de pescado no Brasil não conta com uma linha de produção adequada ao processamento de um peixe do tamanho do pirarucu. Também não são todas que trabalham com métodos de abate e insensibilização apropriados para a espécie.
O congelado, fresco ou salgado, até pouco tempo, era o principal produto encontrado no mercado. Mas esse cenário está mudando, conforme comentaremos adiante.
Quais são os sistemas de cultivo desse peixe?
Os sistemas de produção de cultivo do pirarucu podem ser classificados como intensivo e semi-intensivo. Essa classificação se baseia no alimento oferecido aos animais e no manejo adotado.
No cultivo intensivo, tanto a alimentação do animal (ração e/ou peixes congelados) quanto os animais são manejados diariamente. Por outro lado, no sistema semi-intensivo o animal se alimenta de peixes de outras espécies que convivem em um mesmo tanque e seu manejo é esporádico.
Como é o mercado de pirarucu?
O pirarucu é um dos maiores peixes de água doce do Brasil e do mundo. Ele vem despertando a atenção de manejadores, consumidores e produtores brasileiros. O que mais atrai o mercado em relação a essa espécie é seu rápido ganho de peso. Além disso, vale citar o aproveitamento da sua carne, considerado superior ao encontrado no gado.
Isso porque é um peixe que proporciona versatilidade econômica aos produtores por ser aproveitado em sua totalidade, gerando um alto valor agregado. Por exemplo: os resíduos também podem processados para utilização como insumo na alimentação animal.
Ou seja, tudo é aproveitado, desde a carne até as escamas (resistentes aos ataques das piranhas), comercializadas como chaveiros para turistas. O couro dessa espécie de peixe é utilizado até como matéria-prima para a confecção de bolsas e acessórios em uma empresa do Pará, um dos maiores produtores do país.
Esse total aproveitamento permite classificar o pirarucu como um peixe adequado ao conceito de economia circular.
Indústria alimentícia
Apesar das oscilações dos últimos anos, o mercado de alimentos enlatados continua aquecido e projeta um bom nível de crescimento. De acordo com pesquisas, a comercialização de peixes e frutos do mar enlatados é impulsionada pelo crescimento da população urbana, que os prefere por serem fáceis e convenientes para comer.
Além disso, há um forte apelo para o consumo de alimentos saudáveis, ricos em fibras funcionais, proteínas, vitaminas e ácidos graxos ômega-3. Nesse sentido, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) se baseou em pesquisas e desenvolveu o filé de pirarucu em conserva.
Trata-se de um produto que agrega valor ao pescado e desponta como um potencial ativo da bioeconomia, adicionando uma opção no mercado de enlatados. Essa tecnologia foi disponibilizada pela Embrapa e todas as etapas do processo estão disponíveis gratuitamente no portal da instituição.
Ameaça de extinção e manejo sustentável
Por ser muito procurado devido ao seu sabor diferenciado e ao seu valor de mercado, esse peixe estava ameaçado de extinção. Contudo, algumas ações já estão sendo implementadas.
As pesquisas e os trabalhos técnicos realizados junto ao conhecimento tradicional serviram de base para as diretrizes de pesca responsável, e o pirarucu voltou aos rios. O manejo sustentável do pirarucu serve como fonte de renda para comunidades do entorno do Rio Solimões e se estabelece a cada dia como uma importante cadeia.
O manejo legal proporciona duas possibilidades, como a piscicultura e a pesca extrativista sustentável. O período de pesca desse peixe ocorre na segunda quinzena de outubro a 30 novembro, ao passo que o período de dezembro a maio compreende o defeso para a reprodução dos peixes.
Certificação de comércio justo
O pirarucu de manejo e as comunidades indígenas e ribeirinhas amazonenses vão ampliar as exportações. A ideia é melhorar a remuneração dos manejadores e das manejadoras.
O Instituto Juruá, em parceria com diferentes organizações do Coletivo do Pirarucu, conquistou o selo Fair Trade Certified (Certificação de Comércio Justo), pela Associação de Produtores Rurais de Carauari (ASPROC).
Trata-se de uma iniciativa promovida pelo projeto de exportação The Fish of Change, realizado com a parceria estratégica do Serviço Florestal dos Estados Unidos (United States Forest Service – USFS).
Esse selo é mais uma das iniciativas que atestam o valor social e ecológico do manejo do pirarucu. Isso porque, quando o consumidor escolhe produtos certificados pelo Comércio Justo, ele se torna também agente de mudança.
Dessa forma, é possível valorizar o trabalho de manejadores e manejadoras que ajudam na conservação da Amazônia. Além disso, é um incentivo ao comércio baseado em princípios éticos.
Como vimos, a piscicultura do pirarucu envolve diversas fases, que o criador pode conduzir de diferentes maneiras. Porém, deve-se respeitar sempre a sustentabilidade nos processos. Assim, é possível preservar a espécie e garantir o sustento para comunidades que dependem da sua pesca e comercialização.
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